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André Ramiro
Isabela Inês

O IP.rec compreende que enquanto estratégias de combate ao abuso sexual infantil estão sendo traçadas no âmbito da União Europeia, tecnologias que atualmente são estabelecidas como meio de proteção às comunicações estão sendo endereçadas como pontos de atenção. Documentação desenvolvida no âmbito da Comissão Europeia e vazada em setembro de 2020, por exemplo, sugere que a criptografia deve ser um “desafio” a ser enfrentado no contexto da agenda da presente chamada. Essa compreensão, portanto, é nociva a uma visão complexa e integral da governança multissetorial da Internet, em que direitos e interesses dos variados agentes estatais, tecnológicos e socioeconômicos dependem de redes com criptografia forte.

A expansão do uso da Internet e de dispositivos conectados não leva em consideração a idade dos indivíduos e abarca os mais diversos públicos, sejam eles adultos, idosos, crianças ou adolescentes. A infraestrutura e os protocolos dos quais a segurança da Internet depende, portanto, devem ser encarados de forma holística, não-etária e deve abranger a totalidade e diversidade de usos da rede. Isso quer dizer que transações bancárias, envio de e-mails, atividades industriais, mensagens privadas, trabalhos de investigação jornalística, comunicações políticas sensíveis e mesmo a segurança de jogos online ou brinquedos conectados dependem de padrões mínimos de segurança. Sua vulnerabilização, ainda que discreta, pode comprometer indivíduos física, econômica e psicologicamente. A proteção de um ponto da rede é suficientemente significativa para todo o ecossistema. Da mesma forma, a vulnerabilização de um único ponto pode gerar efeitos estruturais e sistêmicos para a cadeia de conectividade da Internet.

Enquanto elemento chave da segurança da informação desses sistemas, a criptografia acompanhou o desenvolvimento comercial da Internet e está historicamente presente no tráfego de informações e no armazenamento de dados pessoais. Gera resiliência e confiabilidade à rede ao proteger a confidencialidade de informações, autenticidade das identidades envolvidas em uma troca de mensagens – sejam entre pessoas, pessoas e máquinas e entre várias máquinas – e integridade ao fluxo de dados, sem as quais o uso de dispositivos conectados (de smartphones a carros ou objetos domésticos) geraria mais riscos à sociedade do que novas potencialidades.

Do ponto de vista legal e político, o uso de aplicações que agregam múltiplas tecnologias e protocolos criptográficos é basilar para o exercício de direitos. Testemunhas e vítimas podem se comunicar com autoridade sem receio ou inibição, investigações podem ser conduzidas sem que haja interferência ou sabotagem, jornalistas podem assegurar o sigilo de suas fontes, assim como dissidentes e minorias em regiões de crise política podem denunciar abusos e violação de direitos sem que sejam perseguidos por isso. É consolidado, portanto, que a criptografia é ferramenta instrumental ao exercício integral de direitos humanos e políticos e central para a autodeterminação informacional dos indivíduos.

Proteção da criança no ecossistema da Internet

Para a Convenção sobre o Direito das Crianças das Nações Unidas, crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e destinatários prioritários das políticas de bem-estar social e psicológico. A Convenção estabelece que crianças possuem liberdade para se expressar livremente, tanto na procura e na recepção quanto na divulgação de informações e ideias de todos os tipos. Da mesma forma, é protegido o direito das crianças em acessar informações e materiais procedentes de diversas fontes, sejam elas nacionais ou internacionais. Como forma de potencializar o acesso à informação – elemento fundamental na formação da personalidade de crianças e adolescentes – o estabelecimento de redes seguras e confiáveis deve ser priorizado.

A UNICEF estipula que, entre as formas essenciais para se alcançar o bem-estar das crianças e adolescentes na Internet, está a garantia de que indústrias de tecnologia, principalmente as redes sociais, garantam uma plataforma online que proporcione a sua proteção. É conclusivo, portanto, que crianças e adolescentes, enquanto público alvo cuja proteção deve ser ainda mais reforçada, são elos onde a criptografia deve atuar de forma ainda mais robusta, reduzindo as margens para ataques maliciosos (seja a dados armazenados ou em trânsito, no uso de dispositivos por crianças e adolescentes) acessos não autorizados e outras ameaças em franca expansão no ambiente online. 

A racionalidade de permitir brechas que facilitem o alcance de representações investigativas/policiais sobre comunicações – das quais crianças fazem parte direta ou indiretamente – amplia o risco de legitimar, ainda mais, a ampliação das formas de monitoramento e filtragem de conteúdos. Atualmente, uma diversidade de dispositivos e aplicações orbitam o ambiente da criança, como babás eletrônicas, brinquedos conectados e mesmo celulares, tablets e laptops. Afastar a autonomia informacional das crianças e de seus responsáveis sobre a acessibilidade e sigilo dessas informações tem o condão de violar a privacidade desse público e de círculos de convivência profundamente íntimos.

Esse cenário é ainda mais agravado em tempos de pandemia e isolamento social, em que os níveis de tempo de conexão à Internet alcançam níveis inéditos. A quase totalidade das atividades educacionais e interações sociais migram para a Internet, situação que reforça o estabelecimento de protocolos e compromissos de segurança tanto por parte das plataformas e agentes governamentais quanto pelos núcleos familiares, sociais e educacionais. Os danos resultantes de eventuais inserções de vulnerabilidades e tecnologias de monitoramento nesses sistemas poderão gerar danos irreparáveis à integridade e formação psicológica de crianças e adolescentes. 

Confira aqui, na íntegra, nossa contribuição à Chamada Pública da Comissão Europeia “Fighting child sexual abuse: detection, removal and reporting of illegal content online”.

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