Débora Torres, estagiária do Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec)
A importância da criptografia e suas repercussões para o Direito e a sociedade é assunto que ganhou projeção mundial com o advento da internet. Nos espaços virtuais possibilitados por ela circulam diversos tipos de informações sobre os usuários e seus comportamentos, desde nome completo, data de nascimento, CPF, dados bancários e até conversas íntimas nos aplicativos de mensageria. Isso tensiona diretamente a segurança desses usuários na internet e a proteção dos seus direitos. A criptografia se tornou um dos principais instrumentos de proteção de direitos humanos e fundamentais, como a liberdade de expressão, no âmbito da internet, haja vista, a ampla utilização desse recurso para evitar ciberataques que permitam acesso e controle sobre as mensagens, dados pessoais e outras informações armazenadas.
Diante desse cenário, a sociedade civil, ativistas dos direitos digitais, organizações políticas, profissionais do direito e segurança da informação, entre outros tomadores de decisão, começaram a se posicionar a respeito da criptografia, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), que, atualmente, congrega os 35 Estados independentes das Américas e constitui o principal fórum governamental político, jurídico e social do hemisfério. A OEA vem se posicionando sobre a criptografia há alguns anos, enfatizando sua importância como ímpar para conferir segurança informacional, proteção de dados pessoais e, até mesmo, segurança em processos eleitorais.
Em 2019, a secretária-geral OEA e o Twitter elaboraram o guia “Alfabetização E Segurança Digital – Melhores Práticas no uso do Twitter”, visando auxiliar os cidadãos na alfabetização digital, através da compreensão de algumas ferramentas e do desenvolvimento de habilidades para utilizá-las. O guia ainda destaca que, para alcançar tal alfabetização, o conhecimento sobre a criptografia e sua utilização são essenciais. O uso de redes privadas virtuais (Virtual Private Network ou VPN) é apontado como uma das ferramentas que ajudam a ocultar ou dificultar a vigilância da atividade dos usuários na Internet, protegendo-os de ameaças cibernéticas. A VPN possibilita isso ao conectar a um outro endereço IP e ocultando seu IP original, enquanto também criptografa os dados e informações, impossibilitando que terceiros tenham acesso aos dados em trânsito. Fica claro que a OEA compreende a importância da criptografia na segurança da informação e na proteção de direitos como a privacidade, ressaltando ainda o cuidado necessário que usuários devem tomar ao acessar redes não protegidas pela criptografia.
A OEA também publicou, em 2021, o white paper ”Cibersegurança para mulheres durante a pandemia de COVID-19: Experiências, riscos e estratégias de autocuidado na nova era digital normal”. Considerando as especificidades de gênero e a desigualdade no acesso à Internet pelas mulheres, na intersecção com ameaças de cibersegurança, o material orienta que as mulheres navegue no modo de segurança e verifiquem sempre se o site onde está a navegar é reconhecido pelo protocolo de segurança HTTPS, sobretudo para compras online, transações bancárias ou quando estão a ser transmitidas informações sensíveis e dados pessoais, o que significa que as informações enviadas estarão criptografadas durante a transmissão. Além disso, indicam, novamente, a importância de empregar uma rede privada virtual (VPN) sempre que possível, para se conectarem a ambientes corporativos.
A OEA também se manifesta a respeito do setor privado e criptografia.Através da publicação do Manual de Suporte Sobre Risco Cibernético Para o Conselho Administrativo, visando as empresas. O documento é fundamentado no fato do crescimento do uso da Internet na América Latina ocorrer em uma das taxas mais altas do mundo. Consequentemente, cresce acelerando a digitalização corporativa e a necessidade de segurança cibernética. Nos últimos anos, o valor dos ativos corporativos teriam mudado drasticamente, de modo que agora quase 90% deles são digitais. Por essa centralidade da digitalização da economia, este manual enfatiza a importância da criptografia para proteção de dados pessoais e financeiros do setor privado.
Em outro documento, a OEA argumenta que a criptografia é uma ferramenta importante para o combate às violências de gênero e contra minorias sociais. No Manual Online de Violência de Gênero Contra Mulheres e Meninas, publicado em , a OEA disponibiliza várias dicas para auxiliar na proteção dos seus dados. Uma das dicas é justamente o uso da criptografia. A OEA sugere, por exemplo, que as senhas das contas, os arquivos, os dados, podem ser salvos em um documento criptografado, em dispositivo físico seguro ou anotado, e mantido em um local onde qualquer vestígio deles possa ser facilmente eliminado. Isso poderia conferir maior segurança da informação e garantir a integridade física e moral de mulheres e meninas.
Ademais, a criptografia ainda é tratada no relatório Cybersecurity Capacity Review publicado com a participação da Secretaria do Comitê Interamericano contra o Terrorismo da OEA, em parceria com a Universidade de Oxford, Departamento de Segurança da Informaçãoda Secretaria de Segurança Institucional da Presidência da República do Brasil e o Governo do Reino Unido, com a colaboração de diversas instituições. Nesse documento, ao tratar da adoção de controles técnicos de segurança no Brasil e sua variação entre setores e organizações, os envolvidos no levantamento argumentaram que a adoção e implementação de controles em órgãos governamentais é muito avançado dentro da Administração Federal, mas promovido de forma elementar e inconsistente nos governos estaduais. O relatório aponta a centralidade da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) do Governo Federal. A ABIN atua como centro de credenciamento para criptografia e fornece regras específicas sobre como as informações classificadas devem ser transmitidas, além de utilizar o protocolo PGP, responsável pela criptografia de comunicações.
A criptografia é essencial para sistemas críticos, tanto para dados em trânsito quanto para dados em repouso. O relatório da OEA demonstra a existência de uma ampla gama de softwares de segurança cibernética utilizados pelo setor público, bem como por empresas privadas. Segundo os participantes da pesquisa, a prevalência de hackers no Brasil resultou em uma demanda cada vez maior por produtos de segurança cibernética, entre elas, a criptografia. Para atendê-la, empresas locais desenvolvem e oferecem soluções e softwares de segurança nacional. Cenário esse considerado positivo pela organização.A OEA ainda defende que essa desconcentração poderia também ser expandida para os estados da federação.
Diante do exposto aqui, vemos um posicionamento favorável à criptografia pela Organização dos Estados Americanos. Como foi exposto, a OEA reconhece a criptografia como uma técnica necessária para segurança da informação e importante para a proteção de dados pessoais e, consequentemente, de direitos fundamentais e direitos humanos, além de essencial para proteção de usuários vulneráveis a violências, entre elas as violências de gênero. Essa defesa da criptografia pela Organização dos Estados Americanos é um avanço para um ecossistema digital mais seguro e protetivo aos direitos humanos.