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Angie Contreras é Feminista, transinclusiva, vegetariana, amante de café e consultora em questões de comunicação relacionadas a gênero, tecnologia e direitos digitais.

Tem formação em Comunicação e Informação pela Universidad Autónoma de Aguascalientes; Governança da Internet (DiGI) pelo Centro de Tecnología y Sociedad (CETyS), da Universidad de San Andrés, em Buenos Aires; e em Privacidade de Dados, Regulação e Governança pela Divisão de Estudos Jurídicos do Centro de Pesquisa e Ensino Econômico, que faz parte do Centro de Docencia e Investigación Económica, A.C.(CIDE)

Atualmente, é membro da Associação Civil “Cultivando Género“, com sede em Aguascalientes, em que trabalha com questões de assédio e violência digital na infância e adolescência, e membro do Conselho Consultivo de Segurança do TikTok para a América Latina, além de ser porta-voz do movimento Mujeres Vivas Mujeres Libres.

Entrevista

1- Vivemos tempos delicados no que se refere a retrocessos políticos que ameaçam os direitos conquistados, inclusive no contexto da Internet. Os programas de vigilância e de filtragem massiva de conteúdo, por exemplo, seguem ameaçando a privacidade e a liberdade de expressão, especialmente das minorias. No campo dos direitos humanos, por outro lado, o “efeito cliquet” assegura que os direitos não podem retroceder. Como você vê o papel da criptografia nesse sentido? E o que ela representa para as conquistas de direitos na Internet?

Reconhecer que também temos direitos no digital e que esse espaço que chamamos de “espaço virtual” é uma extensão dos nossos direitos é o primeiro passo para o que chamamos de empoderamento digital, isso quer dizer que as usuárias reconheçam que têm direitos digitais e, portanto, devem garanti-los, fazer respeitá-los, defendê-los etc., para que nos convertamos em uma cidadania digital.

Lamentavelmente, temos visto como, dia a dia, são procurados mecanismos para limitar o exercício desses direitos, que traz como consequência a autocensura, a exclusão das redes sociais ou das plataformas, o medo do acesso, é quando a criptografia adquire mais importância.

Acredito que muitas pessoas crescemos com a ideia de que ninguém podia ver o que fazíamos e dizíamos na internet, mas diante da criação de ferramentas e de políticas – principalmente por parte do Estado – que buscam “o controle”, a vigilância, o acesso não autorizado, deve-se procurar alternativas que nos permitam exercer esses direitos.

A criptografia vem a ser uma ferramenta diante de um Estado que busca controle.

2 – Vimos nas últimas semanas, depois da revogação da Roe v. Wade pela Suprema Corte dos EUA, uma crescente preocupação com a segurança digital das mulheres e pessoas com útero que desejam levar a cabo uma interrupção de gravidez. Como você vê esses comunicados de monitoramento e riscos e, em consequência, riscos para a segurança daquelas pessoas que exercem seus direitos reprodutivos?

Eu vejo isso a partir de vários enfoques:

– É uma realidade e recentemente nos inteiramos da entrega à polícia por parte do Facebook de comunicações sobre a prática de aborto. A mesma empresa, quando saiu a revogação da Roe vs Wade anunciou que apoiaria as mulheres e pessoas com capacidade de gestar para que praticassem aborto em algum lugar em que fosse permitido.

Qual é o compromisso real das plataformas-empresas?

E penso nas centenas de casos de violência digital quando filtram fotos ou vídeos íntimos de uma garota em alguma das redes sociais da família Meta. Para esse caso não há informação? Por que não entregam essas conversas? Há delitos que são mais aceitáveis para a Meta?

– Vigilância, stalkers, a observação não só pelo Estado, mas também pelas pessoas que te rodeiam, tudo isso fomenta o medo, a vigilância não só acontece por parte do Estado e das instituições, mas também por esses outros espaços. Por que é grave? Porque diante de um Estado que não te dá informações e que, pelo contrário, busca criminalizar (te levar à prisão) por exercer um direito que durante muitos anos centenas de mulheres e pessoas com capacidade de gestar tinham e que agora existe um retrocesso. Diante disso, a Internet e as redes sociais tornam-se o único lugar existente de forma acessível para a busca de informações.

– Acompanhar, além de buscar informação sobre os direitos sexuais e reprodutivos, as redes sociais se consolidaram como canais para que organizações da sociedade civil ofereçam acompanhamento a quem necessita interromper uma gravidez. Isso é feito a partir da sororidade, do direito à informação, da autonomia e do acesso a um acompanhamento seguro, mas quão seguro é dar a informação agora por meio dessas plataformas? Quão segura está a comunicação?

– Há quem recomende usar certas plataformas de comunicação, mas não podemos deixar de lado a qualidade de acesso, a alfabetização digital, a falta de uma “boa” internet em algumas áreas. A falta de acesso em si não deve ser limitante para aproximar outro tipo de informação.

3 – Recentemente, soubemos que o Facebook colaborou com uma investigação sobre um suposto aborto ilegal, proporcionando o conteúdo de mensagens em que uma mãe e sua filha discutiam como obter comprimidos abortivos e agora enfrentam processos criminais. Como você vê o papel das plataformas na colaboração com as autoridades nesses casos? A criptografia de ponta a ponta poderia proteger essas duas mulheres do caso?

Para mim, é alarmante e muito preocupante. Que outro tipo de informação a plataforma entregou sem sabermos? Como eles decidem que informações entregar? Onde fica seu apoio às mulheres e pessoas com capacidade de gestar se ela colabora com o governo?

Acredito que essa ideia de que “ninguém vê minhas conversas” não corresponde à verdade, nem nossas conversas estão a salvo e deveriam ser as empresas que, reconhecendo que há um retrocesso dos direitos, ajudassem as usuárias a garantir e a proteger seus direitos.

A criptografia é a opção para comunicações seguras, mas a partir de uma opção pela gestão das comunicações, quer dizer que, antes de falar de criptografia, devemos comunicar quão grave e urgente é saber quem “quem vê nossas comunicações”, por que é importante para nossos direitos que possamos ter comunicações seguras e que opções temos.

Também temos que falar de como cuidar das nossas comunicações, não apenas de forma individual, mas também coletiva.

Também urge falar da criação de aplicativos. Como esses apps estão gerindo os dados? Quem tem acesso a esses dados? Sobretudo porque vejo que se populariza a ideia de criar apps para fornecer informação, mas, se neles não existe transparência e uma gestão ética dos dados, em vez de ajudar seguiremos vulnerando os direitos.

4 – Além dos EUA neste debate, como tem se desenvolvido a discussão sobre a proteção dos direitos sexuais e reprodutivos nos países latino-americanos? Houve alguma influência da revogação de Roe vs. Wade no México por exemplo? Há discussões sobre a proteção das comunicações e outras medidas?

Não me lembro de nenhum país que esteja falando da criptografia, das comunicações, da responsabilidade das plataformas em torno do aborto, é um assunto urgente e que precisamos abordar, acredito que seja porque no restante da região as discussões levaram a um avanço dos direitos e não a um retrocesso tão fatal como o que aconteceu nos EUA.

Na medida em que Roe vc. Wade era um exemplo do aborto levado à prática e acredito que [ilegível] , os EUA deveriam aprender com o exercício de direitos dos países latinos que buscam/buscamos que seja considerado um assunto de saúde e um direito para todas e todes. Além disso, que seja considerado um serviço gratuito do Estado.

Mas também é uma realidade que nos preocupa, que essa decisão impacte outros países, sobretudo por causa dos grupos antidireitos, que usam esse tipo de discurso para desinformar e buscar o retrocesso.

Algo diferente é que dia após dia, a informação e as conversas sobre o aborto são “mais normais” e mais cotidianas, para despenalizar, também temos que eliminar os estigmas e isso continua fazendo falta. Também nos lembra que nossos direitos não estão garantidos, que temos que continuar lutando, resistindo, divulgando (lobby), informando, capacitando, para defender nossos direitos.

5 – No México, o aborto foi descriminalizado em 2021 por decisão da Suprema Corte de Justiça. Há alguma diferença entre antes da descriminalização e agora com relação ao uso de ferramentas de proteção das comunicações?

Não foi descriminalizado, o código federal e muitos estados locais (se não me engano, apenas sete estados já descriminalizaram o aborto) com base nos seus códigos penais estatais têm o delito do aborto, quer dizer, se hoje uma mulher em Aguascalientes (estado onde eu moro) abortar, ela pode ser presa. O que a Corte disse é que esse tipo de delito é inconstitucional e que as e os juízes, ao saber de um caso, devem “dar a liberdade” já que o artigo que criminaliza é inconstitucional. Mesmo que seja um grande passo, também limita o exercício dos direitos porque se requer que as e os juízes estejam capacitados, sensibilizados.

No México, o que fizemos foi acompanhar organizações e acompanhantes de aborto para sua segurança digital, tanto de quem acompanha quanto das acompanhadas, as mulheres no México como em muitos países da América Latina, crescemos e vivemos pela resistência, a um direito que não nos garantiram e tivemos que aprender a usar as ferramentas para nossa segurança.

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